Uma vida boa vai além da felicidade e do significado – 24/08/2025 – Equilíbrio

Uma figura humana com o cérebro exposto rega flores que crescem do próprio peito, simbolizando o autocuidado e o cultivo da saúde mental. A imagem transmite a ideia de que, ao nutrirmos nosso interior, florescemos emocionalmente e mentalmente.

O que é uma vida boa e como podemos criá-la? Mais de 40 anos de pesquisas apontaram duas respostas. A primeira diz que uma vida boa é uma vida feliz, construída buscando conforto, satisfação e mais alegria do que tristeza. A segunda diz que uma vida boa é uma vida significativa, baseada em propósito, conexão e na melhoria do mundo.

Mas, recentemente, pesquisadores propuseram uma terceira resposta: uma vida boa é uma vida psicologicamente rica, marcada por experiências novas, percepções que mudam nossa perspectiva e complexidade —mas também com mais desconforto e desafios do que uma vida feliz ou significativa.

“Queríamos capturar tipos de vida boa mais exploratórios, aventureiros, criativos, como as de artistas e poetas”, diz Shigehiro Oishi, psicólogo da Universidade de Chicago, que primeiro conceitualizou a riqueza psicológica.

A felicidade, diz Oishi, pode ser vista como uma média de rebatidas —sobe e desce com experiências boas e ruins. A riqueza psicológica, por outro lado, é mais parecida com os grandes momentos de uma carreira, quantas histórias e experiências interessantes temos ao longo da vida.

Essas experiências podem surgir de viagens, encontros com pessoas interessantes, leitura de livros ou superação de circunstâncias desafiadoras.

Uma vida psicologicamente rica é uma vida interessante que nos convida a sair da zona de conforto e estar abertos a mudar de ideia, afirma Erin Westgate, psicóloga social da Universidade da Flórida. É “cognitivamente e emocionalmente desconfortável perceber que eu achava que o mundo era de um jeito, e agora vejo que é de outro. Ou que eu era de um jeito, e agora vejo que não sou.”

Em outras palavras, cada caminho pode soar diferente quando resumido no leito de morte. As últimas palavras de quem viveu uma vida feliz podem ser: “Foi divertido!” Alguém que viveu uma vida significativa pode dizer: “Eu fiz a diferença!” E alguém que viveu uma vida psicologicamente rica? “Que jornada!”

Em busca de um terceiro caminho

O conceito de vida psicologicamente rica surgiu durante uma crise de meia-idade.

Oishi pesquisava felicidade há 20 anos quando se perguntou: “Minha vida é feliz? Minha vida é significativa?” “Sim”, pensou. Mas, quando se perguntou: “esta é uma vida completa? É uma vida plena?”, ele não conseguiu responder “sim” naquele momento.

Por meio de seus trabalhos subsequentes, Oishi e seus colegas perceberam que havia uma lacuna na literatura sobre bem-estar. Vidas felizes e significativas tendem a ser voltadas para estabilidade e rotina. A felicidade sustentada depende de pequenos atos repetitivos de alegria cotidiana, e o sentido da vida depende de esforços contínuos para fazer a diferença no mundo.

A riqueza psicológica, por outro lado, captura uma dimensão de vida boa baseada em experiências interessantes e novas, que nem sempre parecem totalmente alegres ou com um propósito elevado.

“Acho que a teoria da riqueza psicológica é a mais interessante e empolgante nova teoria da ciência do bem-estar”, diz Sonja Lyubomirsky, professora de psicologia da Universidade da Califórnia em Riverside, que não participou da pesquisa.

Vale a pena ter riqueza psicológica

Os três caminhos não são necessariamente excludentes —uma vida boa pode ter muitas dimensões, e podemos transitar entre diferentes caminhos em momentos distintos da vida.

Em um estudo com obituários, Oishi, Westgate e colegas descobriram que felicidade e significado tendem a não ser correlacionados.

Vidas psicologicamente ricas, por outro lado, “são frequentemente vidas significativas, mas não costumam ser vidas superfelizes”, explica Westgate, coautora de uma revisão sobre riqueza psicológica publicada em 2025 com Oishi. “Faz sentido: qualquer boa história envolve um desafio ou um problema.”

Apesar disso, as pessoas acreditam que uma vida psicologicamente rica vale a pena ser vivida, segundo descoberta de Oishi e colegas. A maioria deseja as três coisas em uma vida ideal: ser feliz, encontrar significado e ter experiências interessantes.

No entanto, na vida real, “existem compensações. Normalmente precisamos priorizar entre elas”, diz Westgate.

Quando os participantes do estudo foram forçados a escolher apenas um caminho, a maioria preferiu uma vida feliz. Mas entre 6,7% e 16,8% escolheram uma vida psicologicamente rica, indicando que há pessoas que valorizam esse tipo de experiência mesmo à custa de felicidade ou significado.

Como é uma vida psicologicamente rica

Pessoas mais abertas a novas experiências têm mais probabilidade de buscar e viver uma vida psicologicamente rica, mostram as pesquisas. Talvez sem surpresa, o mesmo vale para pessoas curiosas.

A riqueza psicológica está associada a maior complexidade cognitiva. Pessoas que levam vidas psicologicamente ricas tendem a pensar de forma mais holística e a considerar o panorama geral.

E ela está mais ligada a certos desfechos de saúde, como confiança para lidar com dificuldades e percepção de apoio social, em comparação com felicidade e significado.

Curiosamente, a riqueza psicológica está associada a tendências políticas mais liberais, enquanto pessoas politicamente conservadoras tendem a relatar serem mais felizes e considerarem suas vidas mais significativas.

Desde que Oishi e seus colegas começaram essa pesquisa, ele diz ter recebido emails de pessoas agradecendo por lhes dar um “vocabulário” para descrever a vida que buscavam.

Ter um nome para aquilo que se procura ajuda: “É difícil buscar algo se você não sabe o que esse algo é”, afirma Westgate.

Como enriquecer psicologicamente sua vida

Nenhum caminho é melhor do que outro, nem são mutuamente exclusivos, disseram os pesquisadores. Cada um oferece um sabor diferente do que pode ser uma vida boa, com suas vantagens e desafios.

Ainda assim, mesmo aqueles que priorizam os outros caminhos, mais baseados em repetição e rotina, podem se beneficiar de estratégias de riqueza psicológica para “ajudá-los a se renovar e se sentir rejuvenescidos em sua busca por felicidade e talvez significado”, diz Oishi, que recentemente escreveu o livro “Life in Three Dimensions: How Curiosity, Exploration, and Experience Make a Fuller, Better Life” (A Vida em Três Dimensões: como Curiosidade, Exploração e Experiência Tornam a Vida mais Plena e Melhor, em tradução livre).

Abrace a diversão

“Realmente deixar o eu ir, estar aberto para ser bobo consigo mesmo”, diz Oishi. “Não se leve tão a sério.”

Explore novos bairros. Visite brechós ou sebos. Faça uma aula de improvisação teatral.

Esteja aberto para coisas novas

Os interesses e sugestões de outras pessoas podem abrir um mundo inteiro de possibilidades.

“Acho que só tentar dizer sim às sugestões de amigos e familiares já torna a vida muito mais rica”, acrescenta Oishi.

“Desafios, surpresas, espontaneidade acho que podem levar a coisas maravilhosas”, diz Lyubomirsky. “Então arrisque dentro do razoável e esteja mais aberto às coisas.”

Abrace o desconforto

“Acho que as pessoas sabem quais coisas podem tornar suas vidas mais ricas”, como fazer aquela aula de violão ou entrar para uma liga de pickleball, afirma Westgate. No entanto, podemos relutar em fazer essas coisas porque “nos concentramos em tudo que é assustador em fazer algo novo ou desafiador” e minimizamos os benefícios potenciais, afirma.

É importante lembrar que nossos cérebros não apenas gostam de um desafio, mas que pesquisas mostram que o desconforto não é necessariamente ruim. “O desconforto é um sinal de que você está crescendo”, complementa.

Registre suas experiências

É humano esquecer nossas aventuras com o tempo. Mas, como uma vida psicologicamente rica é a soma de experiências ricas, é importante escrever, fotografar e compartilhá-las com outras pessoas para manter as memórias, diz Oishi.

“Enquanto você estiver selecionando e guardando suas experiências em suas lembranças psicológicas, estará se enriquecendo todos os dias”, afirma.



Folha SP

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