O tabaco era usado por 28,3% da população das Filipinas em 2009. A situação começou a mudar em 2012, quando a reforma do imposto seletivo no país aumentou os preços dos cigarros. Para cada 10% de aumento no preço, a demanda total por cigarros diminuiu entre 5,6% e 11%, estimam estudos. Apesar de persistir uma resistência de parte da população, creditada ao caráter viciante do produto, três anos depois, a prevalência de fumantes já havia caído para 23,8%.
Para funcionar de fato, a taxação teve de ser associada a políticas adicionais, como a proibição de propagandas relacionadas ao tabaco e a restrição da venda e dos locais onde o consumo é permitido. Como resultado, uma análise de custo-efetividade de 2019 da reforma estimou que a mudança foi capaz de prevenir cerca de 1.961 mortes relacionadas ao tabaco e poupou em média o gasto de US$ 367 milhões (cerca de R$ 2,04 bilhões) em hospitalizações.
Esse tipo de imposto segue uma lógica diferente dos tributos usuais, que têm como finalidade custear a máquina pública, diz Francisco Tavares, professor da UFG (Universidade Federal de Goiás) e coordenador do Observatório Brasileiro do Sistema Tributário. “Esse é um tributo com efeito expressamente regulador, que diz respeito a elementos tanto de adequação da economia quanto de adequação comportamental. Ele tenta aproximar custo social de preço de mercado.”
Tavares foi o coordenador de um relatório técnico que reuniu evidências científicas quanto aos efeitos de tributos seletivos incidentes sobre tabaco, álcool e bebidas açucaradas nos preços das mercadorias, no comportamento dos consumidores e nos mercados ilegais.
O estudo fez uma análise qualitativa de artigos publicados apenas em periódicos de alto impacto e concluiu que os tributos seletivos funcionam e que a eficácia é ainda maior quando há uma elevação significativa dos preços, o que pressupõe alíquotas altas. “Com alíquotas baixas, o consumidor topa pagar mais, até porque são produtos que viciam”, afirma Tavares.
O relatório concluiu ainda que o comportamento dos consumidores em direção a atitudes saudáveis é mais provável quando as mercadorias que podem substituir aquelas sobre as quais incidem impostos seletivos também são alcançadas pelas medidas.
“Por isso que a gente defendia que todos os ultraprocessados fossem tributados”, diz Marcello Baird, coordenador de advocacy da ACT Promoção da Saúde, acrescentando que, hoje, apenas refrigerantes estão no escopo de bebidas adoçadas previstos na reforma tributária.
No Brasil, a previsão é que o imposto seletivo seja aplicado sobre alguns bens e serviços prejudiciais à saúde e ao ambiente a partir de 2027. A lei complementar 214/25, que regulamenta a reforma tributária, foi sancionada pelo governo Lula em janeiro e prevê a incidência sobre bebidas alcoólicas, açucaradas e produtos fumígenos.
Baird, que esteve presente nas discussões de Brasília, defende que, embora todo o imposto de consumo seja regressivo —incide sobre todos, independentemente da renda—, o imposto seletivo se reveste de um caráter progressivo, porque as famílias beneficiadas são as mais pobres “por serem as que mais sofrem as consequências na saúde do consumo dos produtos”.
Benefícios para saúde
Um documento relançado em 2024 pela Bloomberg Philanthropies, envolvida no apoio de iniciativas relacionadas à saúde pública, analisa que os impostos especiais de consumo sobre esses itens são ferramentas subutilizadas pelos países e argumenta que eles são uma ferramenta crucial para combater DNTs (doenças não-transmissíveis).
Quando bem utilizados, portanto, eles podem ter impactos concretos na saúde da população. Na Lituânia, o documento aponta, após um aumento constante de impostos sobre cerveja, vinho e destilados desde 2014, o consumo de álcool no país diminuiu e pesquisas documentaram o efeito na redução de taxas de câncer e até de suicídio.
A causa é reforçada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que neste mês sugeriu que países aumentem os preços reais do tabaco, álcool e bebidas açucaradas com o objetivo de conter doenças crônicas e gerar receita para financiar políticas públicas. A organização argumenta que o consumo causa epidemia de DNTs, o que inclui problemas cardíacos, câncer e diabetes, responsáveis por mais de 75% de todas as mortes no mundo.
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Nota técnica do Grupo Banco Mundial que analisa impostos de saúde reforça ainda que a eficácia deles na redução do consumo e na melhoria da saúde depende de outros fatores além das alíquotas. A estrutura tributária é tida como uma característica importante, o que inclui o tipo de imposto (específico ou ad valorem), a quais produtos se aplica e outras características que podem afetar o cálculo do imposto efetivo.
“Quando os impostos não são bem concebidos ou a administração tributária é ineficiente, os aumentos de impostos podem não levar a aumentos de preços e, portanto, o consumo e a saúde não serão afetados”, diz o documento.
O texto, de 2019, reforça que o Brasil tem a oportunidade de assegurar que os impostos de saúde sejam bem concebidos. O tema ainda será discutido pelo Congresso este ano.
Segundo o pesquisador João Mário de França, do FGV Ibre, para contrapor o setor privado, é importante que envolvidos com a agenda de saúde entrem nas discussões que ainda serão travadas.
“É importante que especialistas da área de saúde estejam no debate para atestar a nocividade de determinados alimentos, os malefícios que eles podem causar, mas também identificar os similares a esses produtos que tenham o mesmo efeito nocivo.”
Hoje, a carga de fumo e álcool já é mais alta que outros itens. A lei determina que, com o aumento de arrecadação com o imposto seletivo, o governo será obrigado a reduzir a alíquota para outros produtos.
“Quanto mais produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente entrarem nesse imposto seletivo, melhor para a população, porque outros produtos podem ficar mais baratos em termos de alíquota”, acrescenta França.