Lembre a evolução e os diferentes modelos das tranças – 12/09/2025 – Equilíbrio

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Penteado milenar, as tranças foram legitimadas pelo movimento negro brasileiro como símbolo afirmativo de construção da identidade negra. Para além da estética, o penteado carrega uma bagagem cultural que remonta à época pré-colonial e evoluiu diante de novas técnicas e materiais.

Com diferentes espessuras, tamanhos e comprimentos, as tranças eram usadas para comunicar status social, poder político e identidade cultural no continente africano. Os diferentes estilos representavam funções sociais, religiosas ou familiares dentro das comunidades.

Durante o período da diáspora africana, esse penteado foi trazido para a América, ganhando novos significados e se unindo a outras estratégias de resistência.

“As tranças representavam poder político. Elas eram uma forma de comunicação entre aqueles povos”, explica Rafaela Xavier, historiadora e trancista.

Ela começou a trançar cabelos há cerca de oito anos para custear os estudos na universidade. No mesmo período, passava pela transição capilar e começou a se reconhecer como mulher negra. O contato com as tranças se tornou parte de um processo de afirmação racial e pessoal para ela.

Já no período colonial, tanto no Brasil quanto em outros países da América Latina, o povo preto escravizado usava as tranças como mapa de fuga, em que diferentes formatos e tamanhos indicavam se havia rios ou montanhas no meio do caminho. Além disso, o penteado servia para esconder sementes, afirma Ana Paula Martins, doutoranda em Filosofia pela PUC-PR. Para ela, as tranças são uma tecnologia ancestral.

Essa tecnologia evoluiu ao longo dos anos e, ainda que não seja um caminho literal para a liberdade, se tornou caminho para reconhecimento e pertencimento de um povo. Para Ana, as tranças hoje continuam sendo símbolo de resistência e beleza.

Xavier enxerga nas tranças um ato de resistência cultural negra frente ao racismo e ao apagamento histórico. As práticas de cuidado, como trançar aos domingos e preparar o cabelo para o resto da semana, vêm desde o período colonial e carregam memórias afetivas e de sobrevivência.

As tranças, no entanto, ainda carregam estigmas. A trancista conta que muitas de suas clientes tinham inseguranças ao usar tranças no trabalho ou em público. Mesmo com avanços, Ana diz que o preconceito ainda é forte e cotidiano, especialmente quando o cabelo crespo não é visto como “normal”.

Xavier aponta o período de 2015 como um “boom da transição”, momento em que os cabelos cacheados e crespos passaram a ser mais valorizados, assim como as tranças —usadas até que o cabelo crescesse novamente após o corte da parte com química.

Foi quando começaram a surgir produtos e materiais mais específicos para esse tipo de cabelo, e as marcas viram o potencial do mercado. “As mesmas marcas que vendiam produtos de alisamento começaram a investir em produtos para trança”, diz. “O mercado cresceu porque uma grande parcela da população, as mulheres negras, começaram a se entender como negras.”

Esse reconhecimento cultural e econômico culminou na regulamentação da profissão de trancista, legitimando oficialmente uma prática ancestral, que passou a ser incluída na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

Tranças: Técnicas e Estilos

Existem duas vertentes principais das tranças feitas com materiais sintéticos: as nagôs e as soltas. Muitos dos nomes são em inglês, pois se inspiram nas tendências dos Estados Unidos.

Tranças Nagôs

São aquelas enraizadas, presas à cabeça, e podem ser tradicionais (retas) ou desenhadas. Elas são feitas de acordo com o tamanho da cabeça e a quantidade de cabelo. Uma variação também é a Fulani, metade nagô e metade box braids, e a trança Limonade, uma nagô que segue pela lateral da cabeça.

Tranças Soltas

As tranças soltas, como o nome já diz, são soltas na cabeça. Elas possuem diferentes variações e são divididas em quadrados na raiz –daí o nome de Box braids, que significa tranças de quadrado.

As mais populares são as Goddess, tranças que possuem cachos soltos nas pontas. As Boho também possuem cachos, que são incluídos no meio das tranças, ficando uma mistura entre cabelo solto e trançado volumoso.

Entre as tranças soltas, uma que tem ganhado destaque é a knotless, “sem nó” em português. Elas não possuem nó na raiz: começam com o próprio cabelo da cliente e o sintético vai sendo adicionado aos poucos, o que diminui a tração dos fios.

Para quem gosta de variar e fazer tranças diferentes, existe também a butterfly, que possui certas texturas feitas com agulha de crochê para imitar as asas de uma borboleta.

Twist

Uma técnica que torce duas mechas de cabelo, criando um visual diferente das tranças tradicionais.

Materiais Utilizados

O mercado das tranças já foi restrito em comparação ao que é hoje, afirma Xavier. Os materiais utilizados tinham poucas cores e variedade:

Kanekalon: material sintético que imita fios de cabelo, mas que é mais duro e mais pesado.

Linha de costura: esse material era utilizado para substituir as fibras falsas, alternando com o cabelo da pessoa.

Com a popularização das tranças por artistas e influenciadoras, o mercado expandiu. Hoje, há uma variedade de produtos, técnicas e acessórios.

Jumbo é um tipo de material sintético utilizado nas tranças. É uma evolução do antigo kanekalon, sendo mais leve, melhor processado e com aparência mais natural, além de ter uma variação de cores muito maior.

Houve também uma evolução das pomadas. Antes era comum utilizarem gel cola, que deixa o cabelo duro e pode causar ressecamento. Hoje existem mousses e pomadas.

A trancista e historiadora, porém, alerta: com o crescimento acelerado da demanda, muitos produtos sem qualidade ou fiscalização passaram a ser vendidos, levando mulheres a desenvolveram problemas de saúde.

Foi o caso das queimaduras nos olhos causadas por pomadas. Para ela, fazem-se necessárias a regulação da profissão e qualificação profissional, além da oferta de cursos profissionalizantes.



Folha SP

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