Como o hóquei canadense explica a falta de líderes negros nas empresas

Como o hóquei canadense explica a falta de líderes negros nas empresas

O que você pensaria se eu dissesse que mais de 70% dos melhores jogadores de hóquei do Canadá nasceram entre janeiro e março?

Coincidência? Será que o inverno canadense rigoroso produz bebês mais fortes e habilidosos com o taco? Ou existe algum dom misterioso reservado para quem nasce no começo do ano?

Nada disso. A resposta está em algo muito mais trivial e mais poderoso.

No hóquei canadense, a data de corte para as categorias de base é 1º de janeiro. Isso significa que um menino nascido em 2 de janeiro compete na mesma categoria que outro nascido em 1º de dezembro do mesmo ano.

No papel, são apenas meses de diferença. Na prática, é quase um ano a mais de crescimento físico, coordenação motora e maturidade.

E o que acontece?

O garoto mais velho, mais forte, mais alto, mais rápido, chama mais a atenção do treinador. Ele joga mais minutos. Recebe convites para treinos extras. É escolhido para os campeonatos mais importantes.

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Esse ciclo se repete. Mais treino gera mais habilidade. Mais habilidade gera mais vitórias. Mais vitórias abrem mais portas.

Até que, anos depois, quando olhamos para a seleção nacional do Canadá, a maioria nasceu exatamente no mesmo período do ano.

É um nome inspirado num versículo bíblico: “Porque a todo o que tem, mais será dado, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado”. (Mateus 25:29)

No esporte, na educação, no mercado de trabalho… o Efeito Mateus está por toda parte. Uma pequena vantagem inicial se transforma, com o tempo, em um diferencial quase intransponível.

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Ele mostra outro fator decisivo para formar os melhores do mundo: a prática deliberada, prolongada e guiada. E, nesse ponto, ele crava um número que ficou famoso: 10 mil horas.

Não importa se é música, ciência, programação, esportes ou liderança. Para atingir excelência, é preciso ter acesso a aproximadamente 10 mil horas de prática qualificada.

Os Beatles, antes de estourarem, tocaram 270 noites em apenas 1 ano e meio numa boate chamada Indra em Hamburgo, Alemanha; entre 1960 e 1962. Vale lembrar que existem bandas que não fazem 270 shows durante uma vida inteira. Você tem ideia de quanto isso treinou e deu entrosamento aos Beatles?

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Grupos marginalizados treinam, estudam e lideram menos

Agora junte as peças: se o Efeito Mateus já garante a alguns uma vantagem inicial e só quem acumula 10 mil horas bem aplicadas chega ao topo, imagine o que acontece quando um grupo inteiro começa quilômetros atrás.

No hóquei, a data de nascimento decide quem entra nesse ciclo virtuoso. No mundo dos negócios, a variável é outra. Mas a lógica é exatamente a mesma.

Imagine um grupo inteiro de pessoas que, por gerações, não teve acesso às mesmas oportunidades de prática, visibilidade e apoio. Pessoas que foram sistematicamente excluídas das redes de contato, das posições de destaque e das experiências que formam líderes.

O “calendário invisível” aqui não está marcado em 1º de janeiro. Ele está marcado nas barreiras estruturais que definem quem recebe mentoria, quem participa das decisões estratégicas, quem acumula horas de liderança real.

Esse é o ponto: não é que faltem talentos negros para liderar. É que faltam exposição e prática em condições justas para que esses talentos floresçam.

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Se aplicarmos a regra das 10 mil horas aqui, a conta é dolorosa: se você nunca é escolhido para o projeto estratégico, se não é convidado para as reuniões decisivas, se não recebe feedback de alto nível, como vai acumular as horas necessárias para chegar ao topo?

Isso explica por que a presença negra na alta liderança ainda é tão pequena. E é também o ponto de partida para mudar o jogo.

Se você fosse meu aluno, eu diria:

Para as empresas

Se queremos mudar o resultado, precisamos mudar o ponto de partida.

No esporte, isso significa reorganizar categorias para que a data de nascimento não determine o futuro de um atleta.

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Na liderança, significa criar oportunidades intencionais para que profissionais negros acumulem experiência real cedo e com consistência. Mentorias direcionadas. Acesso a projetos estratégicos. E, principalmente, a decisão consciente de jogar a corda e puxar outros para cima, até que a distribuição de líderes seja um reflexo natural do potencial existente.

Para o aspirante à liderança negra

A parte estrutural é real e precisa mudar. Mas existem movimentos individuais para que você fure a bolha e entre no círculo virtuoso:

  1. Busque exposição antes de ser convidado: Participe de grupos, eventos e fóruns onde decisões e oportunidades circulam. Presença gera lembrança.
  2. Construa suas horas deliberadamente: Nem toda prática é igual. Escolha experiências que desafiem e ampliem suas habilidades, mesmo fora de um cargo formal.
  3. Crie uma rede estratégica: Relacionamentos são multiplicadores de oportunidades. Procure mentores, pares e aliados que ofereçam feedback real e visibilidade.
  4. Peça para entrar no jogo: Não espere apenas ser escolhido. Coloque-se à disposição para liderar projetos, resolver problemas e assumir responsabilidades.
  5. Registre e comunique seus resultados: Líderes são lembrados pelo impacto. Tenha clareza sobre suas conquistas e saiba apresentá-las sem medo.

O “calendário” pode não ter sido feito para você vencer, mas cada hora investida com intenção e consistência é um passo para reescrever essa agenda.

Porque, assim como no hóquei canadense, o futuro da liderança começa muito antes da partida – e quem entende isso muda o jogo para sempre.

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Fonte ==> Você SA

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