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Ele conta a história de redenção de um personagem de nome Augusto Matraga. No comecinho das 40 páginas que compõem a história, ele é colocado “como um bicho grande do mato”. Tinha temperamento imprevisível; era violento, vingativo. Não se importava com a esposa, Dionóra, tampouco com a filha, Mimita. Não cuidava de sua fazenda, que começa a se arruinar. Tratava seus capangas com desdém e arrogância.
A gota d’água chega para todos à sua volta de uma vez. Dionóra foge com sua filha para viver com outro homem da cidade; os jagunços vão trabalhar para seu inimigo (cortesia da falta de pagamento). Indo tirar satisfações do segundo caso, Matraga sofre uma emboscada, apanha muito e é deixado para morrer.
Ele reavalia sua miséria, suas decisões. Começa uma nova vida. Trabalha, chora, reza e ajuda os vizinhos que ali moravam. Arrependido de suas maldades, quer ir para o céu, “nem que seja a porrete”. Até o momento de sua heroica morte, que acontece para impedir o sofrimento de uma família inocente, Augusto não deixa de repetir: “Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua”.
Ainda que o livro esteja quase fazendo aniversário de 70 anos, as virtudes ali listadas não perderam a relevância. Ao contrário: estão sendo cada vez mais demandadas pelos escritórios mundo afora. Segundo novos dados do Fórum Econômico Mundial, 50% dos trabalhadores precisarão de novas habilidades para se qualificar em 2025. No topo da lista, está a chamada inteligência emocional.
Segundo um estudo feito pela Harvard Business Review, a demanda por funcionários com alta inteligência emocional vai aumentar em 26% até 2030. Hoje, 71% dos empregadores valorizam mais a inteligência emocional do que habilidades técnicas. Isso mesmo: ter feito uma universidade de prestígio começa a ter menos valor do que resiliência, paciência e boa comunicação na hora de conseguir um trampo.
E esses predicados não apenas fazem com que você consiga colocar os pés na porta, eles também são o motivo por trás da sua permanência na organização. Segundo dados da empresa de desenvolvimento de habilidades TalentSmartEQ, 75% dos gestores já procuram essa habilidade na hora de oferecer aumentos e promoções aos seus funcionários.
O que é inteligência emocional?
O termo foi cunhado pela dupla de pesquisadores Peter Salovey e John D. Mayer. Em 1990, eles publicaram o artigo “Emotional Intelligence”, inglês para inteligência emocional, no periódico científico Imagination, Cognition and Personality. Lá, eles definem a inteligência emocional como “um conjunto de habilidades que aparentam contribuir para a avaliação e expressão precisas das emoções em si mesmo e nos outros, a regulação eficaz das emoções em si mesmo e nos outros, e o uso dos sentimentos para motivar, planejar e alcançar objetivos na vida”.
Inteligência emocional é isso: a habilidade de gerenciar suas próprias emoções e de entender as emoções das pessoas ao seu redor.
Os quatro pilares da inteligência emocional
Uma pesquisa de 2018 publicada no periódico Emotion Review defende que colocar nossos sentimentos em palavras pode atenuar as experiências. Seria como uma regulação emocional implícita, em que, ao nomear uma sensação, você também diminui o impacto que ela tem sobre você.
Mas não é só conseguir nomear e colocar cada sentimento em uma caixinha rotulada. Autoconsciência também é entender como cada emoção te afeta. Sua ansiedade te deixa mais agitado ou te paralisa? Sua tristeza te deixa irritado? Sua raiva te motiva ou te corrompe? Saber das consequências dos seus sentimentos no seu estado te ajuda a definir o curso de ação.
Mais importante, saber disso também te ajuda na autorregulação. Talvez você conheça esse pilar pelo nome de autocontrole emocional. Trata-se da capacidade de manter emoções indesejadas sob controle e não deixar que elas tomem conta de você em momentos de estresse.
“Com equilíbrio emocional, você reconhece emoções disruptivas – emoções que atrapalham, como ansiedade intensa, medo intenso ou raiva repentina – e encontra maneiras de gerenciar suas emoções e impulsos. Você se mantém calmo e lúcido sob estresse, mesmo durante uma crise”, diz Daniel.
Em seguida, vamos falar sobre a consciência social. Trata-se da conhecida empatia, a capacidade de entender como outra pessoa está se sentindo. Pessoas empáticas reconhecem, conscientemente ou não, pistas emocionais em outras pessoas. Com isso, podem se colocar no lugar de outra pessoa como se estivessem vivenciando aquela emoção.
Se a empatia é entender como as pessoas estão se sentindo, relacionar-se é navegar suas percepções da emoção dos outros em busca da melhor rota. As outras pessoas também têm sentimentos (por incrível que pareça) e ter conhecimento de que suas ações podem afetar o estado emocional dos outros é a base de um bom relacionamento.
A inteligência emocional, para o autor, são basicamente duas duplinhas: entender a si mesmo e se controlar; entender o outro e lidar com ele. Por mais que pareça difícil, nosso cérebro é um órgão extremamente flexível, capaz de aprender constantemente. “As nossas falhas em aptidões emocionais podem ser remediadas: em grande parte, cada um desses campos representa um conjunto de hábitos e respostas que, com o devido esforço, pode ser aprimorado”, escreve.
Não é porque seu chefe fez uma crítica ao seu trabalho que você vai passar o expediente inteiro bravo, nervoso e irritado. Não é saudável que um momento ruim acabe com o seu dia. Inteligência emocional é reconhecer a emoção que uma experiência te trouxe, entender como ela te faz sentir, como ela influencia seu comportamento e tentar mantê-la no lugar. É difícil, mas, com prática, é possível.
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Olhando para dentro de si
Uma das frases mais célebres de Peter Drucker, considerado o pai da administração moderna, é a seguinte: “As pessoas são contratadas por suas habilidades técnicas, mas são demitidas pelos seus comportamentos”.
O que Drucker está querendo dizer é que o desenvolvimento individual terá, sim, reflexos no seu ambiente de trabalho. “Não há uma máquina de descontaminação do ambiente. Você sente, ao longo do seu expediente, todas as emoções que sentiria fora dele. Inveja, raiva, tristeza, alegria… as reações do corpo acontecem da mesma forma. O que nos resta é aprender a lidar com elas”, complementa a psicóloga de carreira Andréa Krug.
Essa, segundo a especialista, é a chave para a verdadeira inteligência emocional: entender o que é preciso para fazer com que suas emoções caibam dentro do lugar que você está. “Muita gente acha que ela consiste em disfarçar a sua emoção, não senti-la. Mas a realidade é diferente: não é omitir seus sentimentos, e sim entendê-los e adaptá-los”, explica.
E como fazer isso? Entendendo que, ao contrário da maior parte dos processos que envolvem o trabalho, essas emoções não são objetivas. Pela sua própria história de vida e personalidade, existem sentimentos que serão despertados em determinados acontecimentos. E isso é complexo no mundo corporativo, no qual as pessoas tendem a ser mais pragmáticas.
Para começar a olhar para dentro de si, autoavaliação ao resgate. Ela é uma ferramenta importante do mundo corporativo e serve para nos ajudar a fazer um raio X do que você precisa desenvolver (a gente ensina a montar o seu nesta reportagem aqui).
Acima de tudo, o importante é manter a criatividade. Nesse contexto de valorização da inteligência emocional, fazer um curso de teatro, uma arte marcial, até um trabalho voluntário podem ser extremamente valiosos para seu currículo. “Afinal, enquanto estamos vivos estamos em movimento, em constante estado de mudança. Tudo que mostre que eu sei disso e estou me adaptando e evoluindo vale a pena”, argumenta Ana Plihal, head do LinkedIn Brasil.
No currículo
Claro, há a grande questão: adicionar ao currículo que você fez uma universidade de prestígio ou um curso relevante é muito mais fácil do que explicar que você é resiliente. Então como mostrar esse lado tão importante logo na primeira etapa de um processo seletivo?
Andréa Krug, que também tem longo histórico como recrutadora, afirma que, via de regra, os candidatos costumam usar o currículo em ordem cronológica. E isso os leva a pontuar tarefas que fizeram, não realizações que atingiram. “Mostrar aquilo que você conquistou, e descrever a forma como o fez, é essencial para mostrar logo de cara sua inteligência emocional”, explica.
Lembre-se: a faculdade que você fez e os cursos nos quais você se inscreveu já constam em seu currículo. Na entrevista, o que vale é deixar que o comportamental sobressaia. “Nesse mundo de habilidades técnicas que não param de mudar, serão as habilidades humanas que farão com que você seja um profissional mais duradouro dentro do mundo corporativo”, reflete Ana, do LinkedIn.
Falando nele, a profissional também argumenta que a infraestrutura da rede azulzinha está lá para mostrar as múltiplas facetas do profissional. Por meio dela, os recrutadores podem analisar o que você publica, o que pensa, suas reflexões e interações com outros colegas. “Ser ativo por lá permite tangibilizar uma certa competência”, diz.
“A chave é demonstrar que você está disposto a desenvolver habilidades que te compõem como ser humano, e também o levam a se conhecer e, consequentemente, a trabalhar melhor”, finaliza.
Para além das 9h às 18h
Essas habilidades não vão ser boas só para a sua carreira – obviamente. Inteligência emocional é algo que você deve levar para todas as esferas da sua vida. Afinal, ela não é importante só dentro do escritório: também afeta seus relacionamentos, sua saúde física e mental.
As coisas nem sempre saem do jeito que a gente espera ou que a gente quer. Quando a vida te der limões, a inteligência emocional pode ser o equipamento necessário para transformá-los em uma deliciosa torta de limão. Ser emocionalmente inteligente significa que você é capaz de ser atingido pelas adversidades da vida e se levantar, pronto para mais uma. Você consegue lidar melhor com o estresse, adaptar-se às mudanças e se recuperar de contratempos.
A inteligência emocional é um grande conjunto de habilidades pessoais que você pode desenvolver e que vão te ajudar a entender e a lidar melhor com os seus sentimentos e os das outras pessoas. Com isso, você estará preparado para ter relacionamentos mais profundos, tomar decisões com mais calma e se comunicar melhor e com mais clareza.
De novo, tudo isso vai muito além do seu expediente. Reiterando o que Andréa Krug disse alguns parágrafos atrás: o trabalho é só uma extensão de como você vive. Ao bater o ponto, você não se transforma magicamente em outra pessoa, todos os problemas e questões que te atrapalham e afligem fora do horário de trabalho ainda vão estar lá das 9h às 18h.
Desenvolvimento pessoal é para a vida. Mas, com o universo do trabalho cada vez mais volátil e demandante, a inteligência emocional é, sim, uma soft skill que pode te colocar na vantagem contra muitos concorrentes. Lidar bem com dificuldades e emoções intensas é um diferencial importante – no expediente e fora dele.
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Fonte ==> Você SA