Está na moda ser fitness; do hábito à vestimenta. Recentemente acompanhamos tendências associadas a esportes, como o ‘tenniscore’ e o ‘balletcore’, além da difusão de aplicativos de tracking de exercícios físicos, como o Gymrats. Sair com roupa de ginástica deixou de ser malvisto e tornou-se objeto de desejo. Isso é reflexo do que estudiosos chamam de ‘indústria do bem-estar’ ou wellness, que reforça o consumo de itens como skincare, aulas de yoga, crossfit e bicicleta, inscrições para corrida de rua, suplementação, marmitas saudáveis, tênis, roupas para alta performance e mais.
Desde o início da pandemia, em 2020, essa indústria foi impulsionada, chegando a representar cerca de 6% do PIB global em 2023, de acordo com uma pesquisa do Global Wellness Institute. Mais de 50% do faturamento dessa indústria vem de nichos como cuidados pessoais e beleza, comida saudável, nutrição e perda de peso e atividade física. Hoje o setor é maior que a indústria farmacêutica (US$ 1,6 trilhão).
Juliana Lopes, especialista em Moda e professora da ESPM explica que tendência é o que orienta e influencia o consumo. “Quando compro uma peça de determinada marca, simboliza que estou conectado. Quem conhece se identifica e distingue. É uma comunicação entre pares”.
Presley Vasconcellos, economista e criador de conteúdo, diz que o ‘fitness core’ reflete a forma como a indústria cria demandas para vender soluções. Mas o foco em autocuidado não é para todos. A alimentação já é um desafio: enquanto pessoas com recursos financeiros têm acesso a alimentos naturais e orgânicos, pessoas pobres podem ter dificuldade para encontrar alimentos menos processados, por exemplo.
O custo elevado de itens que compõem a cesta básica ilustra essa desigualdade. De acordo com uma pesquisa mensal feita pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), as cestas na capital paulista custam cerca de R$ 865,90 –mais da metade do salário mínimo nacional, de R$ 1.518. Para Presley, além do aspecto financeiro, é preciso considerar que as mulheres são as principais responsáveis por empregar recursos financeiros e de tempo no cuidado com terceiros, em detrimento próprio.
Essa visão é corroborada por Vivian Hernandez Botelho, professora de educação física e mestre em epidemiologia. Ela explica que o percentual de adultos brasileiros que praticam exercícios físicos por lazer é restrito principalmente a homens de maior escolaridade e de áreas urbanas, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019.
“Dizíamos que a corrida de rua era o esporte universal, pois dispensa equipamentos ou inscrição em academia. Mas ela passou a ser comercializada: vemos propaganda do melhor short, o melhor tênis, suplementação. Isso afasta os interessados”, diz.
Usar roupa de academia na moda é algo que vai e volta desde os anos 1970, explica Juliana. “Tem a ver com a rotina da pessoa”, diz. Ninguém vai com a mesma roupa da academia para o trabalho (a não ser que não vá trabalhar, o que já denota classe social). “Se eu tenho um tecido tecnológico, confortável, com cores e cortes bonitos, vira um estilo que não se restringe à prática esportiva”, explica. O que, muitas vezes, custa mais.
Conforme a cultura, as preferências e influências do momento, um certo tipo de imagem se impõe. Tivemos a glamorização da magreza extrema dos anos 2000, atenuada pelo movimento body positive da década de 2010, agora substituída pelo estilo de vida fitness. Todas essas tendências podem estar longe da realidade.
Dizer que “a moda prefere a magreza” não agrada Juliana. “Não gosto de generalizar e reduzir a isso. Mas dá para falar que há uma macrotendência de corpos magros”. Dependendo do tipo de conteúdo e influências consumidos, pode-se pensar que existe apenas um tipo de corpo.