Sobre a Justiça, o Clima e os seres humanos: uma Crônica Internacional.

No último 23 de julho — data que talvez passe despercebida à maioria dos homens de negócios, mas não aos atentos aos destinos do planeta — a Corte Internacional de Justiça (CIJ) resolveu pôr sua pena a serviço da atmosfera. Fez-se ouvir, em parecer consultivo, pedido por Vanuatu (que, embora pequeno no mapa, tem os pés molhados pelo mar que sobe), e proclamou o óbvio:

Os Estados têm obrigação legal de conter a fúria climática que eles mesmos alimentaram.

Não que a Corte tenha inventado o dever — já estava ali, no artigo do tratado, no opniojuris do costume internacional, em especial, na consciência aguda dos que enxergam mais longe que o próprio nariz. Mas ao dizer o que já se dizia, fez-se ouvir como quem revela o segredo sabido por todos, menos pelos que decidem.

Ah! O parecer! Tão cheio de palavras nobres — obrigações, cooperação, diligência — que se pode quase esquecer que falamos de fumaça, calor, miséria e morte. A Corte afirmou, com solenidade jurídica, que os compromissos do Acordo de Paris não são promessas de casamento em dia de festa, mas votos firmes, com obrigações que não se dissolvem no primeiro suspiro de petróleo.

Exigiu-se, pois, dos Estados atitudes concretas: planejamento, execução, revisão periódica e, se possível, um pouco de vergonha na cara. O texto alertou: não fazer nada já é fazer algo — e mal feito. Afinal, quando o silêncio do legislador ecoa em meio às chamas da floresta, é a própria omissão que grita.

E destaca-se aqui que a Corte teve a ousadia de dizer que o meio ambiente saudável é condição para viver, comer, respirar — em suma, para ser humano. E ao fazer essa ponte entre a ecologia e os direitos humanos, fez tremer a base de muitos tratados assinados com plumas mas ignorados com tratores.

Mencionou-se, em tom quase didático, que prevenir o dano ambiental é dever primeiro — daqueles que sabem que depois da inundação não se remenda casa. E com dedo firme apontou-se os velhos emissores, os senhores da fumaça — Estados Unidos, China, Europa — como os que, por sua história de excessos, devem agora pagar a conta. Em outras palavras, as obrigações são comuns – todos os Estados devem contribuir com a redução das emissões – porém de forma diferenciadas. Não como caridade, mas como justiça. Uma justiça com cifrão, assistência técnica e prazos curtos.

Claro, alguém dirá: “Mas o parecer não obriga!”. De fato, não obriga como uma sentença, mas pesa como consciência. E se é verdade que as consciências podem ser leves, há ocasiões em que pesam como chumbo.

Países como Fiji, Tuvalu, Maldivas — esses nomes que soam como poesia e afundam como pedra — já disseram que farão uso do parecer para cobrar reparações. E acredita-se que estejam certos, pois está evidente a responsabilidade por danos. 

O parecer veio com imediata e grande repercussão mundial. A ministra alemã, com sobriedade germânica, falou em “ponto de inflexão”. O representante das Ilhas Marshall, com esperança insular, falou em “voz para a ciência e a ética”. Todos disseram muito, mas talvez ninguém tenha dito o bastante.

E assim caminhamos para Belém, onde a COP30 fará pose para a foto e, quem sabe, abrirá os ouvidos ao eco de Haia. Talvez lá se entenda que o direito ao futuro não é mais metáfora, mas cláusula pétrea da nossa sobrevivência.

Em suma, o parecer da Corte é como uma carta enviada tarde, mas ainda em tempo. Cabe agora aos destinatários abrirem-na, lê-la com atenção, e decidirem se querem ser autores de um novo capítulo ou personagens do epílogo.

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