Felipe Menegat: o fenômeno da música erudita e a força espiritual do canto lírico brasileiro

Felipe Menegat, tenor brasileiro de música erudita, durante apresentação de canto lírico.

No Advento de 2025, quando o calendário litúrgico convida a humanidade a suspender o ritmo febril da modernidade para contemplar, em silêncio reverente, o mistério do Verbo encarnado, ergue-se na paisagem da lírica brasileira a figura singular do tenor Felipe Menegat, descendente de imigrantes italianos radicados no Sul do Brasil. Oriundo de Caxias do Sul, cidade onde as memórias europeias se entrelaçam ao horizonte pampeano, Menegat traz na voz a síntese dessa genealogia espiritual: um timbre adamantino, de textura a um só tempo aveludada e luminosa, que conjuga o legado belcantista da península itálica à densidade sacro‑orante própria da tradição cristã. Em tempos de consumo veloz e distração perpétua, sua arte irrompe como clarão profético, devolvendo à experiência musical um caráter de rito, de escuta contemplativa e busca de transcendência.

A infância de Menegat, ainda envolta na névoa poética das primeiras descobertas, desenrola-se sob o eco das igrejas porto‑alegrenses, onde cânticos marianos, missas solenes e hinos natalinos teciam um universo sonoro que ultrapassava a mera sensibilidade estética. Ali, entre incensos e vitrais, o menino percebeu que a música podia ser linguagem da alma, lugar de encontro entre a fragilidade humana e a beleza que parece soprar de outra esfera. Aos sete anos, o encantamento pela música sacra não se limitava à curiosidade infantil: já se insinuava como vocação, como chamado interior que o conduziria a anos de estudo, disciplina e ascese artística.

A adolescência, longe de apagar esse impulso, apenas o intensificou. Enquanto muitos de sua geração se dispersavam entre ruídos efêmeros, Menegat inclinava-se com avidez sobre partituras, ouvindo e reouvindo árias imortalizadas por grandes tenores, mas também descobrindo a sobriedade mística do repertório sacro. A convivência com a polifonia religiosa, com a tessitura das missas e motetos, foi gradualmente moldando seu fraseado, afinando a respiração e alargando a consciência artística. A técnica vocal, trabalhada com rigor, não era um fim em si mesma, mas instrumento para que a palavra cantada pudesse adquirir densidade espiritual, como se cada nota fosse batimento do coração do Logos.

Ao longo desse percurso, a orientação de mestres consagrados exerceu papel decisivo. Menegat integrou o seleto grupo de alunos da soprano Leila Guimarães, vencedora de prêmio internacional ao lado de Luciano Pavarotti, cuja experiência de palco e refinamento estilístico ofereceram ao jovem tenor um horizonte de excelência. Mais tarde, o aprofundamento de estudos com o maestro italiano Fulvio Massa, da Ópera de Bologna, conferiu-lhe uma ancoragem sólida na tradição lírica europeia, fazendo com que sua emissão vocal se alinhasse às grandes escolas, sem, contudo, perder a inflexão telúrica do Sul brasileiro. Dessa intersecção nasce uma identidade artística inconfundível: europeia na técnica, sul‑americana na alma. ​

A carreira profissional de Felipe Menegat, hoje com mais de duas décadas de atuação, configura-se como tecido de conquistas sucessivas, urdidas pela constância e pela capacidade de dialogar com públicos diversos. Foram dezenas de apresentações em palcos de prestígio, aparições frequentes em programas de televisão e a construção de uma discografia que abarca tanto árias sacras quanto canções românticas e temas natalinos. Em cada contexto, o tenor parece reencontrar um modo próprio de presença: ora solene e hierática nos ambientes sacros, ora calorosa e expansiva em espetáculos concebidos para plateias amplas, sem jamais abdicar da elegância vocal. ​

Entre os marcos recentes de sua trajetória, destacam-se espetáculos que o colocam no centro da cena cultural nacional. Em 2023, foi escolhido para homenagear Luciano Pavarotti na reinauguração do histórico hotel Ca’d’Oro, em São Paulo, momento em que a memória de um ícone da ópera italiana se encontrou com a voz de um herdeiro brasileiro dessa tradição. Em turnês como “Romance” e “In Concert”, Menegat percorreu diversas cidades, apresentando programas que transitam entre clássicos italianos, canções de amor e peças sacras, sempre sob a moldura de arranjos que mesclam o erudito e o popular sofisticado. A crítica, atenta a essa versatilidade, passou a qualificá-lo como “fenômeno da música erudita” e uma das vozes mais impressionantes da atualidade.

O universo digital, longe de diluir sua proposta, tornou-se espaço de irradiação de sua arte. Plataformas de streaming e redes sociais abrigam um catálogo expressivo, onde se destacam gravações de Ave Maria, Panis Angelicus, O Sole Mio, White Christmas e outros clássicos que, em sua interpretação, ganham um brilho devocional particular. Não se trata apenas de reproduzir um repertório consagrado, mas de recriá-lo a partir de uma escuta interior que percebe, por trás do virtuosismo, a necessidade de comunicar consolo, esperança e ternura. Daí o número crescente de ouvintes que encontram, em sua voz, não apenas entretenimento, mas um refúgio afetivo e espiritual.​

No presépio contemporâneo da devoção natalina, esse itinerário ganha contornos simbólicos ainda mais intensos. Em concertos temáticos, Menegat entrelaça canções natalinas internacionais e brasileiras, árias sacras e trechos de oratórios, configurando verdadeiros itinerários de contemplação. Cada peça é escolhida como se fosse uma figura do presépio: há canções que evocam a pobreza luminosa da gruta, outras que ressoam como cântico de anjos, outras ainda que se aproximam do pranto silencioso de Maria. O resultado é uma tessitura musical que devolve ao Natal sua dimensão de epifania, não um mero intervalo festivo no calendário civil, mas um portal para o mistério.

A recepção da crítica e do público confirma a eficácia dessa proposta. Jornalistas, produtores e músicos de renome o descrevem como um dos melhores tenores do país, sublinhando tanto a homogeneidade do registro vocal quanto a capacidade de emocionar plateias com interpretações densas e contidas, jamais histriônicas. Há quem o chame de “Bocelli brasileiro”, rótulo que, embora reducionista, aponta para a percepção de que Menegat une popularidade e sofisticação, fé e comunicação de massa. Em depoimentos públicos, produtores relatam a surpresa de testemunhar gravações realizadas em poucos takes, tamanho o domínio técnico e a concentração artística do cantor. E por falar nisso, sempre que possível, Felipe e Andrea trocam palavras, consignando que a produção do tenor italiano fez questão de promover um encontro pessoal entre os dois neste ano.

No entanto, por detrás de estatísticas, críticas elogiosas e agendas repletas, permanece a figura do músico que se entende como servidor da beleza. Em entrevistas, Menegat costuma insistir que a música é idioma da alma, capaz de atravessar fronteiras geográficas e culturais, reconciliando povos, memórias e afetos. Ao fazer do repertório natalino um campo privilegiado de sua atuação, ele parece desejar que cada nota seja centelha de luz acesa na noite do mundo, lembrança de que, em meio à dureza do cotidiano, ainda é possível ouvir um cântico que anuncia paz, misericórdia e redenção. Assim, sua voz se converte em epifania lírica, estrela sonora que brilha sobre o presépio contemporâneo, convidando a um Natal menos consumido e mais contemplado, menos ruidoso e mais orante.

Em um tempo marcado pela velocidade, pelo ruído e pela diluição do sagrado, Felipe Menegat afirma-se como uma voz que convida à escuta atenta e à contemplação. Sua trajetória na música erudita brasileira transcende à performance técnica e se inscreve como experiência estética e espiritual, reafirmando o papel da arte como ponte entre tradição, fé e contemporaneidade.

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